segunda-feira, 30 de maio de 2016

O espelho da manipulação: notícias falsas e massa de manobra

Estamos vivendo tempos caóticos, de manhas e artimanhas, onde, na busca de se conquistar apoios para narrativas, versões são apresentadas como fatos em si, e a verdade é pisoteada. Muito embora há já um bom tempo pesquisadores tenham apontado as faces da manipulação, é na sociedade atual (e em nosso caso, sobretudo no Brasil de agora) que a manipulação de pessoas se tem constituído num fenômeno central da vida social. Se, em determinada época, ela requeria um considerável grau de planejamento (para preparação e execução de campanhas, por exemplo), de modo que nem sempre os seus efeitos eram imediatos, agora é tudo muito diferente. Com a rapidez instaurada pela revolução da tecnologia da informação, cada vez mais o principal canal de manipulação incide sobre as notícias, isto é, sobre as notícias falsas. Como se precaver para não se tornar massa de manobra? Aí abaixo, o cientista político e especialista em comunicação Leonanrdo Sakamoto apresenta dez dicas a esse respeito. 


Por Leonardo Sakamoto
(Doutor em Ciência Política, Professor da PUC-SP e Pesquisador Visitante no Departamento de Ciência Política da New School, em Nova York)

Talvez você nem saiba, mas está comprando gato por lebre na internet. Descobrir que uma notícia circulando é falsa nem sempre é simples e mesmo profissionais de comunicação experientes caem em armadilhas. Mas manter-se sempre atento e refugiar-se no alto do seu ceticismo é fundamental. Por isso, trago algumas dicas que podem ser úteis para testar a credibilidade de sites e páginas que querem te usar como massa de manobra.
1) Verifique se o veículo que traz a notícia pertence a uma empresa, pessoa ou organização conhecidas. Não que isso seja um atestado de credibilidade, mas uma pessoa jurídica ou física que corre o risco de pagar altas indenizações tende a tomar mais cuidado do que um site fabricado de última hora que se mantém anônimo.
2) Evite páginas que não trazem a pessoa ou equipe que produzem o conteúdo. Quem dá a cara para bater é mais confiável. É claro que há páginas na rede com difamadores que usam pseudônimos para fugir de punições. Não dá para zerar o risco, mas checar se a pessoa da qual você sempre compartilha   textos existe mesmo vale a pena.
3) Se você acha que se informa o suficiente apenas lendo um título, por favor, não compartilhe nada nessa vida. Um título bombástico pode esvaziar feito uma bexiga furada ao você ler o texto e perceber que nada o sustenta.
4) A foto que acompanha a notícia é nova ou antiga? Ela foi descontextualizada, ou seja, ilustra outra coisa diferente e está sendo distorcida para servir ao propósito do texto falso? Dá para perceber que ela foi alterada no Photoshop?
5) Desconfie de textos que não trazem fontes confiáveis, como entrevistados e pesquisas de instituições conhecidas, para defender as informações e números divulgados.
6) Muita gente não faz diferença entre um texto opinativo e um narrativo. No jornalismo, os dois têm seu valor, mas informação precede opinião. Desconfie de textos que querem se fazer passar por notícias, mas são opinião pura. Exija provas.
7) Links para documentos, áudios, vídeos e imagens não são, necessariamente, provas. Eles precisam trazer dados novos e relacionados à denúncia e, acima de tudo, precisam fazer sentido. Muitos difamadores colocam esses elementos porque sabem que a maior parte das pessoas nem vai clicar neles, achando que existem provas irrefutáveis simplesmente porque estão lá.
8) Ao ver uma denúncia cabulosa em um site ou página obscuros, verifique se algum veículo de comunicação mais conhecido, progressista ou conservador, deu também. Desconfie de notícias que circulam apenas entre sites anônimos e grupos de WhatsApp. Muitas vezes esses sites e grupos pertencem às mesmas pessoas que produziram o texto falso.
9) A população sabe escolher entre uma alface boa e uma ruim na feira, mas não foi educada (e isso deveria fazer parte do currículo escolar) para identificar o que são argumento falsos. Se soubesse, condenava algumas páginas e sites ao esquecimento. Sobre formas de pegar um argumento falso, sugiro este texto que publiquei aqui.
10) Por fim, lembre-se: uma notícia não é verdadeira simplesmente porque você concorda com ela ou porque ela reforça sua visão de mundo. Eu sei que é bom quando o mundo diz que estamos certos, mas a vida não é conto de fadas. Aprender a consumir informação com a qual não concorda, mas que tenha qualidade, porque ela ajuda a explicar o mundo em que você vive, acredite, é sinal de maturidade.
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Fonte: http://blogdosakamoto.blogosfera.uol.com.br/. Título original: 'Dez dicas para descobrir se uma notícia é falsa'. 

domingo, 29 de maio de 2016

Bolsas de estudo e intercâmbios internacionais




O Erasmus Mundus é um programa de Ensino Superior financiado pela Comissão Europeia. Combinando um ambiente acadêmico de alta qualidade com oportunidades extensivas para viagem internacional, o Erasmus Mundus oferece a estudantes e pesquisadores de todo o mundo, sem limite de idade, a oportunidade de realizar um período de intercâmbio ou formação plena em algumas das melhores universidades da Europa e do mundo. A participação em um esquema de mobilidade como tal recebe apoio por meio de bolsas de estudo concedidas a estudantes e pesquisadores de níveis de excelência.
Ao participar do programa Erasmus Mundis, você irá:
  • Estudar / pesquisar nas principais universidades europeias e não europeias;
  • Adquirir experiência internacional sem precedentes;
  • Adquirir competências linguísticas em nível professional/acadêmico;
  • Desenvolver consciência e compreensão intercultural;
  • Receber preparação de alta qualidade para sua carreira profissional.
Com suporte financeiro do programa Erasmus Mundus da Comissão Europeia, o projeto BE MUNDUS concede bolsas de estudo a estudantes brasileiros e europeus, pesquisadores e membros do estafe para que realizem um período de intercâmbio ou formação plena em algumas das melhores universidades da Europa e do Brasil. As bolsas estão disponíveis para estudantes de graduação nos campos de Engenharia e Tecnologia e Educação e Formação de Professores, bem como para doutorandos, pós-doutorandos e estafe nos campos de Engenharia e Tecnologia. O estafe administrativo também pode se candidatar. As bolsas incluem um subsídio mensal, viagem, seguro e isenção de taxas.
Obs: Não há bolsas disponíveis para estudantes em nível de mestrado e/ou estudantes de outras áreas que não as de Engenharia e Tecnologia e Educação e Formação de Professores.
Objetivos gerais:
O objetivo principal do BE MUNDUS é promover a cooperação inter-institucional entre Instituições de Ensino Superior (IES) europeias e brasileiras, de modo a tornar a União Europeia uma região para cooperação brasileira. Em particular, BE MUNDUS contribuirá com os seguintes objetivos e resultados:
  • Promover a internacionalização e qualidade dos estudos de graduação no Brasil;
  • Aumentar programas de pesquisa conjuntos entre UE-Brasil, de forma a aperfeiçoar aptidões e qualificações de estudantes brasileiros, ao mesmo tempo inaugurando oportunidades para o mercado europeu;
  • Desenvolver capacidade entre Agentes de Relações Internacionais em IES brasileiras e, assim, contribuir para uma internacionalização homogênea por todo o país;
  • Promover a compreensão mútua entre EU-Brasil com respeito à educação de nível superior e sistemas de pesquisa e prioridades, de forma a aumentar o reconhecimento de estudos e diplomas entre as duas regiões;
  • Promover oportunidades iguais no ensino superior, assegurando uma participação inclusiva no projeto.

Universidades europeias ( = instituições de destino para estudantes, pesquisadores e estafe brasileiros)
  • ITÁLIA - Università degli Studi di Roma “La Sapienza”, Roma (coordenador)
  • ITÁLIA - Università degli Studi di Roma “Tor Vergata”, Roma
  • PORTUGAL - Universidade do Porto, Porto
  • PORTUGAL - Universidade Nova de Lisboa, Lisboa
  • BÉLGICA - Vrije Universiteit Brussel, Bruxelas
  • REINO UNIDO - Cardiff Metropolitan University, Cardiff
  • ALEMANHA - Karlsruhe Institute of Technology, Karlsruhe
  • CROÁCIA - University of Zagreb, Zagreb
  • POLÔNIA - Silesian University Of Technology, Gliwice
UNIVERSIDADES BRASILEIRAS ( = INSTITUIÇÕES DE DESTINO PARA ESTUDANTES, PESQUISADORES E ESTAFE EUROPEUS)
  • Universidade de São Paulo, São Paulo
  • Universidade Estadual de Campinas, Campinas
  • Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro
  • Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, São Paulo
  • Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa
  • Universidade Federal de Goiás, Goiânia
  • Universidade do Estado do Amazonas, Itacoatiara
  • Universidade Federal de Pernambuco, Recife
  • Universidade Estadual do Maranhão, São Luis
  • Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis
Seleção - início: 12 de abril de 2016; fim: 15 de setembro de 2016. Mais informações aqui: http://www.bemundus.eu/apply

Ao mar, a existência

Do que aí abaixo vai, é de Leont Etiel, repassado por e-mail. Calha com o meu sentimento cotidiano de ver o mar no “condado” de Cabo Branco, em João Pessoa.



Por Leont Etiel

Foi Vergílio Ferreira quem falou: "Sento-me aqui nesta sala vazia e relembro. Uma lua quente de verão entra pela varanda, ilumina uma jarra de flores, e escuto o indício de um rumor de vida, o sinal obscuro de uma memória de origens. (...) Tento, há tantos anos, vencer a dureza dos dias, das ideias solidificadas, a espessura dos hábitos, que me constrange e tranquiliza. Tento descobrir a face última das coisas.” Assim é. E nestes tempos conturbados, o mar diz de um segredo da vida que vai para além das aparências. Tanto mar a navegar, tanto mar. Num dia despretensioso, numa manhã, numa tarde, numa noite, em momentos, encontra-se o existir que diz a existência. O atlântico oceano que luso mar é, a companhia dos românticos solitários e surrealistas. Quilhas e águas de mistério. Ondas com e sem superfícies. Da varanda.  Do mar a navegar. 

Quando o coração sofre, uma flor para Soledad

'O caso eu conto como caso foi', como diria o escritor Paulo Cavalcanti. A casa era um casebre de taipa. Erguido no meio da mata, no município de Paulista, em Pernambuco. Nele estavam seis ativos jovens que discordavam do autoritarismo da ditadura militar. Em 8 de janeiro de 1973, foram todos dizimados, barbaramente assassinados pelas forças da ditadura, chacina que foi levada a cabo a partir das informações repassadas pelo Cabo Anselmo, um agente duplo que tinha uma relação com uma integrante do grupo: Soledad. Entrou para a história como o 'Massacre da Chácara São Bento'. Chama ainda mais a atenção nessa barbaridade o fato de que Soleddad estava grávida do próprio Cabo Anselmo, mas ele, como infiltrado da ditadura no grupo, não teve remorsos em entregar mulher e filho à morte. É um dos tantos crimes cometidos no Brasil, entre 1964 e 1985, pela ditadura civil-militar. Num momento em que proliferam manifestações de analfabetismo histórico no país, e assim se defende intervenção militar e se tenta transformar personagens dessa época/seus defensores em mitos, o 'Massacre da Chácara São Bento' e a história de Soledad têm muito a dizer. O conterrâneo Urariano Mota, mantendo a essência do caso, deu-lhe expressão literária no livro 'Soledad em Recife'. Aí abaixo um texto seu a respeito. A mulher para cantar o amor e o combate dos povos. Quando o coração sofre. Uma flor para Soledad. 

História e memória: Soledad 

Por Urariano Mota 

Quem lê “Soledad no Recife” pergunta sempre qual a natureza da minha relação com Soledad Barrett Viedma, a bela guerreira que foi mulher do Cabo Anselmo. Eu sempre respondo que não fomos amantes, que não fomos namorados. Mas que a amo, de um modo apaixonado e definitivo, enquanto vida eu tiver. Então os leitores voltam, até mesmo a editora do livro, da Boitempo: “mas você não a conheceu?”. E lhes digo, sim, eu a conheci, depois da sua morte. E explico, ou tento explicar.
Quem foi, quem é Soledad Barrett Viedma? Qual a sua força e drama, que a maioria dos brasileiros desconhece? De modo claro e curto, ela foi a mulher do Cabo Anselmo, que ele entregou a Fleury em 1973. Sem remorso e sem dor, o Cabo Anselmo a entregou grávida para a execução. Com mais cinco militantes contra a ditadura, no que se convencionou chamar “O massacre da granja São Bento”. Essa execução coletiva é o ponto. No entanto, por mais eloquente, essa coisa vil não diz tudo. E tudo é, ou quase tudo. 

Entre os assassinados existem pessoas inimagináveis a qualquer escritor de ficção. Pauline Philipe Reichstul, presa aos chutes como um cão danado, a ponto de se urinar e sangrar em público, teve anos depois o irmão, Henri Philipe, como presidente da Petrobras. Jarbas Pereira Marques, vendedor em uma livraria do Recife, arriscou e entregou a própria vida para não sacrificar a da sua mulher, grávida, com o “bucho pela boca”. Apesar de apavorado, por saber que Fleury e Anselmo estavam à sua procura, ele se negou a fugir, para que não fossem em cima da companheira, muito frágil, conforme ele dizia. Que escritor épico seria capaz de espelhar tal grandeza? 
E Soledad Barrett Viedma não cabe em um parêntese. Ela é o centro, a pessoa que grita, o ponto de apoio de Arquimedes para esses crimes. Ainda que não fosse bela, de uma beleza de causar espanto vestida até em roupas rústicas no treinamento da guerrilha; ainda que não houvesse transtornado o poeta Mario Benedetti; ainda que não fosse sido marcada a navalha aos 17 anos em Montevidéu, por se negar a gritar Viva Hitler; ainda que não fosse neta do escritor Rafael Barrett, um clássico, fundador da literatura paraguaia; ainda assim... ainda assim o quê?
Soledad é a pessoa que aponta para o espião José Anselmo dos Santos e lhe dá a sentença: “Até o fim dos teus dias estás condenado, canalha. Aqui e além deste século”. Porque olhem só como sofre um coração. Para recuperar a vida de Soledad, para cantar o amor a esta combatente de quatro povos, tive que mergulhar e procurar entender a face do homem, quero dizer, a face do indivíduo que lhe desferiu o golpe da infâmia. Tive que procurar dele a maior proximidade possível, estudá-lo, procurar entendê-lo, e dele posso dizer enfim: o Cabo Anselmo é um personagem que não existe igual, na altura de covardia e frieza, em toda a literatura de espionagem. Isso quer dizer: ele superou os agentes duplos, capazes sempre de crimes realizados com perícia e serenidade. Mas para todos eles há um limite: os espiões não chegam à traição da própria carne, da mulher com quem se envolvem e do futuro filho. Se duvidam da perversão, acompanhem o depoimento de Alípio Freire, escritor e jornalista, ex-preso político: 
“É impressionante o informe do senhor Anselmo sobre aquele grupo de militantes - é um documento que foi encontrado no Dops do Paraná. É algo absolutamente inimaginável e que, de tão diferente de todas as ignomínias que conhecemos, nos faltam palavras exatas para nos referirmos ao assunto. 
Depois de descrever e informar sobre cada um dos cinco outros camaradas que seriam assassinados, referindo-se a Soledad (sobre a qual dá o histórico de família, etc.), o que ele diz é mais ou menos o seguinte:
‘É verdade que estou REALMENTE ENVOLVIDO pessoalmente com ela e, nesse caso, SE FOR POSSÍVEL, gostaria que não fosse aplicada a solução final’.
Ao longo da minha vida e desde muito cedo aprendi a metabolizar (sem perder a ternura, jamais) as tragédias. Mas fiquei durante umas três semanas acordando à noite, pensando e tentando entender esse abismo, essa voragem”.
Esse crime contra Soledad Barrett Viedma é o caso mais eloquente da guerra suja da ditadura no Brasil. Vocês entendem agora por que o livro é uma ficção que todo o mundo lê como uma relato apaixonado. Não seria possível recriar Soledad de outra maneira. No título, lá em cima, escrevi Soledad, a mulher do Cabo Anselmo. Melhor seria ter escrito, Soledad, a mulher de todos os jovens brasileiros. Ou Soledad, a mulher que apredemos a amar. 
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Título original: 'Soledad, a mulher do Cabo Anselo'

quinta-feira, 26 de maio de 2016

No fim da luz há um túnel

O breve artigo aí abaixo vai para as folhas impressas na 'terra da Rainha'. Chega primeiro por aqui.  Dizer em línguas diversas o que se passa no Brasil neste momento. Não que, com as escusas pela ironia, eu tenha expectativa em "milagres do Palácio de Saint James". Distante disso. Dois acontecimentos, pelos menos, servem de fundamento empírico ao  seu título - embora eles não estejam explicitamente. O primeiro diz respeito à audiência concedida pelo Ministro da Educação, Mendonça Filho, a Alexandre Frota, para que ele apresentasse as "suas propostas de educação" para o Brasil. Quase ao mesmo tempo, o Ministro anunciava a intenção de processar o historiador-cientista político pernambucano Michel Zaidan, por causa do artigo que ele escreveu questionando os atributos de Mendonça Filho para ocupar a  pasta da educação. Tempos estranhos estes que vivemos em nosso país! Recebe-se Alexandre Frota em gabinete para ele apresentar as "suas propostas de educação" e decide-se processar um professor que escreveu um texto a propósito da temática educacional. O segundo acontecimento que fornece fundamento empírico ao título do artigo concerne ao bárbaro caso de estupro que chocou o país. Pois então, cabe lembar, neste momento de impacto, que, na Câmara dos Deputados, um parlamentar já fez a apologia do estupro. No parlamento nacional!  Foi isso que fez o sr. Jair Bolsonaro numa discussão com a deputada Maria do Rosário. Quebra de decoro, punição ao parlamentar? Que nada!  E assim difunde-se a 'cultura do estupro' (algo em que Alexandre Frota também se notabilizou).  Se um deputado procede dessa forma e ainda há quem o chame de mito, é porque realmente chegamos a um ponto em que no fim da luz há um túnel, e entramos nele. 




Brazil:  at the end of the light there is a tunnel

by Ivonaldo Leite

Actions speak louder than words. This phrase defines very well the Brazilian political situation actually. After the right-wing opposition to president Dilma Rousseff  to deny that her impeachment was a coup, several hidden recordings show exactly the opposite of that. Yes, it was a coup, a conspiracy of Brazilian corrupt former politicians to block investigations in which they are involved.
The impeachment process is a farce. The president is not implicated in the corruption cases that are being investigated, and she is not personal beneficiary of diverted public money. The budget illegalities of which she is accused are a common practice in Brazil, and is in fact a mere pretext to carry out her deposition.
It is not possible to understand the Brazilian crisis and the farce of impeachment without taking into account some basic issues.
The first issue refers to the mistakes of the Workers' Party and Lula making political alliances without criteria with backward forces. Thus the Workers' Party denied his itself political perspective and history. These alliances were made without taking into account the possible ethical consequences. The price paid by the alliances with the former Brazilian political of establishment resulted in corruption cases in which also involve members of the Workers Party. But faced with this situation, President Dilma Rousseff has behaved rigorously, she was fully supporting the investigations carried out by the Federal Police.
The second issue is about the role played by the media. The major newspapers and television channels have acted as a political party, supporting the opponents of President Dilma Roussef. In this sense, it can be highlight, for example, the Globo television and the Veja magazine. Somehow this is not a surprise because many TV channels, radio stations and newspapers in Brazil are the property of deputies, senators and governors who use them according to their political interests.
On the other hand, the interim government of President Michel Temer has been a grotesque fraud intending to adopt a program which was not approved by the people in elections. Similarly it intends to eliminate social benefits that are fundamental pillars of incipient welfare state in Brazil. 
It is difficult to conjecture about what will happen in Brazil in the near future. But sometimes the impression we have is that the country's situation is bizarre. Something like at the end of the light there is a tunnel. So the way is to bet on the mobilization of society to enforce the light of democracy.

quarta-feira, 25 de maio de 2016

Falsa ruptura

A cada nova conversa revelada nas 'gravações ocultas', mais o sistema político brasileiro, que derrubou Dilma Rousseff, se desmoraliza. Agora com a revelação das conversas do Presidente do Senado com o ex-senador Sérgio Machado não só se ratifica as interpretações em relação à conspiração movida pelo senador Jucá, homem de confiança do Presidente Interino da República, como se fica a saber mais. Dentre outras coisas: que se cogitava  outra via de golpe, mediante a adoção do parlamentarismo; que o Supremo Tribunal Federal estava/está insatisfeito com a Presidente Dilma (nesse quesito, a expressão de Renan Calheiros é pouco polida), supondo-se que  seja porque ela vetou um aumento de cerca de 70% ao judiciário; que o diretor-presidente das organizações globo é figura de proa no processo de impeachment. Por estas e outras, o acadêmico e diplomata da ONU Paulo Sérgio Pinheiro adjetiva, e bem, a mudança de governo no Brasil como fraude, uma falsa ruptura com a corrupção. 

Brasília: vassouras em protesto contra a corrupção dos 'donos
 do poder'


Paulo Sérgio Pinheiro 
(Diplomata e acadêmico - Professor da Brown University/EUA)

Os primeiros dias do governo interino não deixaram dúvidas -seus objetivos se limitam a acalmar os mercados e a garantir governança com uma sólida base legislativa. Aos opositores, a total indiferença. Quando os protestos, mesmo pacíficos, chegam perto dos atuais donos do poder, sobram cacetadas, jatos de água e gás por tropas de choque da Polícia Militar.
As gravações do agora ex-ministro Romero Jucá reveladas pela Folha expõem uma conspiração para a tomada do poder, revelando como os mais baixos recônditos do sistema político brasileiro prosseguem firmes em sua esperança de sufocar a consolidação do Estado de Direito e da democracia no país.
O impeachment surge como um sinistro pacto a portas fechadas urdido pelas forças mais retrógradas, desesperadas para manter seu poder. Uma aberração institucional que custará muito caro ao Brasil.
A reeleição de Dilma Rousseff, em 2014, foi um acidente inaceitável para o establishment econômico e político brasileiro. Dilma era o risco permanente. Seja risco aos mercados, que sabiam que sua única base real estava à esquerda, seja o risco aos corruptos de sempre, que não sentiam ter um escudo seguro.
Entregando a cabeça de Dilma, acreditavam que tudo voltaria ao normal: ordem e progresso, como nos bons tempos da ditadura militar.
O demorado e bizarro julgamento das pedaladas fiscais nos obriga a discutir uma patética infinidade de detalhes num processo que já estava decidido. Não por qualquer sombra de análise jurídica, mas nas idas e vindas dos mais dignos representantes de nossa elite ao Palácio do Jaburu, residência ocupada pelo presidente interino Michel Temer.
A ausência de mulheres no ministério do governo interino é o exemplo maior do grotesco descolamento da realidade do grupo que agora nos governa. O rebaixamento dos ministérios de Ciência e Tecnologia e Direitos Humanos foi também um caminho totalmente natural para um grupo que viveu e floresceu eternamente na sombra dos gabinetes, a léguas de distância do pensamento crítico e da sociedade civil organizada.
Para agregar um caráter ainda mais sinistro, a administração interina conseguiu também nomear para a secretaria de Segurança Institucional o general do Exército Sérgio Etchegoyen, justamente o único oficial de alta patente que, abertamente, confrontou o relatório da Comissão Nacional da Verdade.
Ao fim e ao cabo, a chegada do PMDB ao poder representa a tentativa de sobrevivência da base mais profunda que deu sustentação à nossa transição democrática lenta, gradual e, como agora vemos, insegura.
A grande vítima da conspiração reinante é, ironicamente, a Constituição de 1988 que o presidente interino disse defender. Vários projetos de lei já estão no Congresso para desmontar os direitos conquistados na esteira da constitucionalidade.
Espero que rapidamente acordemos desse transe e novas eleições sejam promovidas para reestabelecer um mínimo de espaço para nossa tão desmoralizada República.
E que as futuras gerações estudem com afinco os infinitos erros da minha geração, que lutou contra a ditadura e se iludiu tantas vezes com aparentes mudanças que, na verdade, jamais lograram transformar o autoritarismo profundamente incrustado no sistema político e na sociedade.

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Fonte: Folha de São Paulo, versão para assinantes, edição do dia 25/05/2016. 



segunda-feira, 23 de maio de 2016

Caindo a máscara do impeachment

A revelação dos diálogos gravados de forma oculta entre o senador Romero Jucá (um dos principais articuladores do afastamento da presidente Dilma e alçado a Ministro do Planejamento) e o ex-senador Sérgio Machado só faz comprovar, ainda mais, o que a análise lúcida da crise brasileira vem assinalando: o impeachment foi uma quartelada parlamentar que, dentre outros propósitos, teve em perspetiva abafar os casos de corrupção, salvando a pele de um condomínio de corruptos. Para tanto, era necessário afastar uma presidente que se negava a interferir nos rumos das investigações, colocando freios, por exemplo, na ação da Polícia Federal.  Claro, na outra ponta, está a decisão de adotar um programa de governo ilegítimo, golpeador de direitos, que não foi aprovado nas urnas. De toda forma, muitas pessoas bem intencionadas -  insatisfeitas com os ilícitos - foram enganadas pelos moralistas sem moral, acreditando que o afastamento da presidente seria um avanço, quando, na verdade, agora fica cada vez mais claro, tudo não passava de uma manobra diversionista, uma cortina de fumaça, para realizar um grande conchavo de salvação de corrutos (invocando-se participação no mesmo até do Supremo Tribunal Federal). E tudo isso tendo o PSDB como avalista, até porque tem os seus a livrar (estando à frente Aécio Neves), a ponto de o ex-presidente Fernando Cardoso ter dito, em entrevista, que foi uma decisão acertada colocar Romero Jucá no Ministério do Planejamento (O Globo, edição do dia 13/05/2016). Reproduzo aí abaixo parte dos diálogos divulgados pela Folha de São Paulo da conversa entre Jucá e Sérgio Machado, bem mostrando para que "acerto" foi a mudança de governo. Não se imaginava que a máscara do impeachment cairia tão rápido.  


SÉRGIO MACHADO - Mas viu, Romero, então eu acho a situação gravíssima.
[...]
JUCÁ - Eu acho que...
MACHADO - Tem que ter um impeachment.
JUCÁ - Tem que ter impeachment. Não tem saída.
MACHADO - E quem segurar, segura.
JUCÁ - Foi boa a conversa mas vamos ter outras pela frente.
MACHADO - Acontece o seguinte, objetivamente falando, com o negócio que o Supremo fez [autorizou prisões logo após decisões de segunda instância], vai todo mundo delatar.
JUCÁ - Exatamente, e vai sobrar muito. O Marcelo e a Odebrecht vão fazer.
MACHADO - Odebrecht vai fazer.
JUCÁ - Seletiva, mas vai fazer.
MACHADO - Queiroz [Galvão] não sei se vai fazer ou não. A Camargo [Corrêa] vai fazer ou não. Eu estou muito preocupado porque eu acho que... O Janot [procurador-geral da República] está a fim de pegar vocês. E acha que eu sou o caminho.
[...]
JUCÁ - Você tem que ver com seu advogado como é que a gente pode ajudar. [...] Tem que ser política, advogado não encontra [inaudível]. Se é político, como é a política? Tem que resolver essa porra... Tem que mudar o governo pra poder estancar essa sangria.
[...]
MACHADO - Rapaz, a solução mais fácil era botar o Michel [Temer].
JUCÁ - Só o Renan [Calheiros] que está contra essa porra. 'Porque não gosta do Michel, porque o Michel é Eduardo Cunha'. Gente, esquece o Eduardo Cunha, o Eduardo Cunha está morto, porra.
MACHADO - É um acordo, botar o Michel, num grande acordo nacional.
JUCÁ - Com o Supremo, com tudo.
MACHADO - Com tudo, aí parava tudo.
JUCÁ - É. Delimitava onde está, pronto.
[...]
MACHADO - O Renan [Calheiros] é totalmente 'voador'. Ele ainda não compreendeu que a saída dele é o Michel e o Eduardo. Na hora que cassar o Eduardo, que ele tem ódio, o próximo alvo, principal, é ele. Então quanto mais vida, sobrevida, tiver o Eduardo, melhor pra ele. Ele não compreendeu isso não.
JUCÁ - Tem que ser um boi de piranha, pegar um cara, e a gente passar e resolver, chegar do outro lado da margem.*
MACHADO - A situação é grave. Porque, Romero, eles querem pegar todos os políticos. É que aquele documento que foi dado...
JUCÁ - Acabar com a classe política para ressurgir, construir uma nova casta, pura, que não tem a ver com...
MACHADO - Isso, e pegar todo mundo. E o PSDB, não sei se caiu a ficha já.
JUCÁ - Caiu. Todos eles. Aloysio [Nunes, senador], [o hoje ministro José] Serra, Aécio [Neves, senador].
MACHADO - Caiu a ficha. Tasso [Jereissati] também caiu?
JUCÁ - Também. Todo mundo na bandeja para ser comido.
[...]
MACHADO - O primeiro a ser comido vai ser o Aécio.
JUCÁ - Todos, porra. E vão pegando e vão...
MACHADO - [Sussurrando] O que que a gente fez junto, Romero, naquela eleição, para eleger os deputados, para ele ser presidente da Câmara? [Mudando de assunto] Amigo, eu preciso da sua inteligência.
JUCÁ - Não, veja, eu estou a disposição, você sabe disso. Veja a hora que você quer falar.
MACHADO - Porque se a gente não tiver saída... Porque não tem muito tempo.
JUCÁ - Não, o tempo é emergencial.
MACHADO - É emergencial, então preciso ter uma conversa emergencial com vocês.
JUCÁ - Vá atrás. Eu acho que a gente não pode juntar todo mundo para conversar, viu? [...] Eu acho que você deve procurar o [ex-senador do PMDB José] Sarney, deve falar com o Renan, depois que você falar com os dois, colhe as coisas todas, e aí vamos falar nós dois do que você achou e o que eles ponderaram pra gente conversar.
MACHADO - Acha que não pode ter reunião a três?
JUCÁ - Não pode. Isso de ficar juntando para combinar coisa que não tem nada a ver. Os caras já enxergam outra coisa que não é... Depois a gente conversa os três sem você.
MACHADO - Eu acho o seguinte: se não houver uma solução a curto prazo, o nosso risco é grande. *
MACHADO - É aquilo que você diz, o Aécio não ganha porra nenhuma...
JUCÁ - Não, esquece. Nenhum político desse tradicional ganha eleição, não.
MACHADO - O Aécio, rapaz... O Aécio não tem condição, a gente sabe disso. Quem que não sabe? Quem não conhece o esquema do Aécio? Eu, que participei de campanha do PSDB...
JUCÁ - É, a gente viveu tudo.





domingo, 22 de maio de 2016

Como se tornar Ministro da Educação

O historiador/cientista político Michel Zaidan (UFPE) é um analista social de verve afiada. Aborda, com agudeza analítica e objetividade, fenômenos complexos. E não recusa hard subjects - o que lhe tem valido reações espinhosas, como a do governador pernambucano Paulo Câmara, consubstanciada na ardilosa tentativa de o levar à prisão. Para quem conhece o percurso de Zaidan, sabe que isso, no entanto, não o intimida, pois não recusa as boas causas e o bom combate. Nesse sentido, ele é emblemático no texto aí abaixo, a respeito de como o também pernambucano Mendonça Filho se tornou Ministro da Educação, em decorrência do afastamento da presidente Dilma. É um texto a ser lido por professores, estudantes e por todos os que se preocupam com os rumos da educação e da cidadania no país. 



Por Michel Zaidan Filho

Permaneci esse tempo todo intrigado com o modo como foi indicado o deputado pernambucano José Mendonça Filho (o "Mendoncinha") para o Ministério da Educação.
No início, pensei que fosse uma retribuição pelo seu ingente trabalho conspiratório contra a Presidente da República, mesmo desmerecendo com isso a importância da Educação.
Conheço o deputado pernambucano há vários anos, mas nunca tinha visto nele nenhuma vocação especial para tratar de políticas públicas para a Educação. "Mendoncinha" é natural de Belo Jardim (PE) e filho de um ex-deputado do PFL, José Mendo Bezerra. É casado com a filha do genro do coronel Chico Heráclito, de Limoeiro, e do senador biônico Marcos Vinícius Vilaça, que apesar de posar de literato e intelectual, nunca se referiu ao genro, de maneira intelectualmente elogiosa.
Há pouco, descobri através de uma das minhas leitoras que ele tinha sido professor dela. E ótimo professor! Fiquei matutando que disciplina o colega de Belo Jardim teria lecionado. Depois descobri que ele tinha sido presidente de uma Associação de Avicultores. Daí passei a achar que ele tivesse conhecimentos de galináceos e seus correlatos.
O colega foi duas vezes à Pós-graduação de Ciência Política, a meu convite. Mas foi "puxado" pelo seu tio, o saudoso empresário Edson Moura Mororó, de quem me considerei amigo até o dia de sua morte. Foi Dr. Edson quem rebocou o sobrinho (como faria com o ex-senador Marco Maciel) a atender o meu convite. Em nenhuma das vezes, o deputado do DEM (e conspirador) demonstrou dotes oratórios, intelectuais ou mesmo políticos; chegou a mostrar nervosismo e derramar uma xícara de café. Depois disso, Mendoncinha não voltaria a aceitar nenhum convite para ir ao Programa, apesar das promessas...
Qual não foi, então, a minha surpresa quando soube de sua nomeação pelo usurpador interino para Ministro da Educação!  E, por extensão, da Cultura. Fiquei pensando: cultura avícola? Ou quem sabe lupina?   Agora vem o esclarecimento que foi o empresário dos serviços educacionais, Janguiê Diniz, dono da Faculdade Maurício de Nassau, quem bancou a indicação do nome de José Mendonça Filho para o Ministério da Educação!
Mais ainda, o empresário educacional conseguiu também emplacar o nome do economista Maurício Romão para a Secretaria de regulação e supervisão, do MEC, órgão responsável pela licença e autorização para funcionamento de novos cursos. Vocês imaginem como é colocar uma raposa no galinheiro e avaliem o resultado dessa astuta operação: o dono da faculdade privada interfere diretamente no órgão responsável pela fiscalização do seu negócio!
Não foi à-toa que o ministro interino [Mendonça Filho] entrou com uma ação no STF para derrubar as cotas dos estudantes nos cursos superiores públicos e agora se saiu com a ideia “extraordinária” de autorizar a cobrança de mensalidades nas IESs públicas. Dissipou-se o mistério da indicação do deputado de Belo Jardim: representante de interesses privatistas no Ministério da Educação.
Tal como o da saúde, o deputado Ricardo Barros, quer acabar ou diminuir o SUS, atendendo ao pedido das empresas privadas de Saúde. E o das cidades, o menudo Bruno Araújo, pretende acabar ou diminuir com o programa de habitação popular. E o do Desenvolvimento Social, ansioso em acabar ou diminuir as políticas compensatórias de redistribuição de renda. E o das Relações Exteriores, acabar com a política externa multilateral, sul-sul, do governo LULA, para voltar à subserviência do Brasil aos interesses norte-americanos.
Esse ministério é o ministério da privatização grosseira, brutal, antipopular e antinacional. Perguntaram-me porque tantos pernambucanos estão nesse ministério do temerário amigo de Eduardo Cunha, o desventuroso. A explicação é uma só: troca-troca, compra e venda, fisiologismo puro. Nunca ficou tão clara e revelada a vocação desses políticos provincianos em vender o apoio - para causas tão deprimentes - em troca de alguma visibilidade, de alguma notabilidade, mesmo às custas de um golpe e da destruição das políticas redistributivas. 
Não se preocupam com nada, nem com ninguém. Só com os cargos e os dividendos políticos que eles podem trazer. Lamentável essa crise de representação parlamentar. Ela só contribui para aumentar a descrença do cidadão comum nos políticos e para pavimentar a estrada para os aventureiros de toda estirpe.


sábado, 21 de maio de 2016

Entre o epitáfio e as exéquias: incômodo cadáver

Mutatis mutandis, bem cabe no Brasil deste momento a expressão 'tirem as crianças da sala', pois o jogo do poder é pesado. Saem de cena os que andavam país acima e abaixo repisando palavras de ordem pelo impeachment, louvando Eduardo Cunha  ('somos muitos Cunhas', lia-se em faixas nas manifestações) e escoltando o pato da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP). Não há como negar que pessoas bem intencionadas e indignadas com as ilicitudes, com justificada razão, assomaram-se ao "festival" cujo principal traje era a camisa da CBF. Foram levadas, essas pessoas, ao embuste que resultou na quartelada parlamentar responsável pelo afastamento da presidente, um embuste que, desde o fim das eleições de 2014, era tramado em Brasília pelos que foram derrotados nas urnas (notícia sobre isso pode ser vista aqui: http://politica.estadao.com.br/noticias/geral,g-8-do-impeachment-teve-reunioes-durante-um-ano,10000026435). Mas os personagens agora são outros, não são mais os das manifestações. Agora é a vez dos verdadeiros personagens que induziram a desestabilização. Saíram dos bastidores, porque agora a cosia com os profissionais.  Tirem então as crianças da sala. Não é só o fato de notórias figuras envolvidas nos casos de corrupção estarem dando as cartas, há também, até, o novo líder do governo sob a imputação de envolvimento com tentativa de assassinato. Uma operação como a que foi montada para apear a presidente Dilma da Presidência envolve altos riscos - um deles é o que decorre de determinadas alianças táticas. A questão é que, atingido o objetivo, a necessidade de se livrar do aliado momentâneo pode se tornar um problema. Mesmo que ele seja transformado em cadáver político, não se tem certeza se está "bem morto". Pelo que então surgem as dúvidas sobre a possibilidade dos estragos que pode fazer. Torna-se um cadáver incômodo. Essa é a situação do deputado Eduardo Cunha, que, como aliado e amigo do presidente interino Michel Temer, conduziu o impeachment.  É disso que, do alto da sua autoridade acadêmica, o veterano professor Luiz Gonzaga Belluzo trata no artigo aí abaixo. Agradeço ao amigo Antonio Sales pelo envio do mesmo. Vale a leitura. 





Chute ao cadaver 

Por Luiz Gonzaga Belluzo
(Universidade de Campinas - São Paulo) 

A produção nacional de cadáveres vai de vento em popa. Não falo dos milhares sucumbidos diante da violência explícita ou implícita que toma conta do País. Neste momento, o sistema de poder e do dinheiro, a fonte de toda a violência, prepara as exéquias de mais um cadáver notório. 
O epitáfio de Eduardo Cunha é estampado em editoriais que alteiam a voz do moralismo para esconder a cumplicidade do defunto, um servidor fiel daqueles que agora promovem a sua liquidação moral e política. Diria o personagem de Lampedusa no Leopardo: “É preciso mudar para que tudo continue como está”. O transformismo à brasileira é mais cruel: “É preciso assassinar os súditos mais nobres para preservar a reprodução das engrenagens do poder”. Os porta-vozes do establishment nativo se encarregam do conhecido esporte, o chute ao cadáver. 
No Congresso e fora dele, os maganos e maganões da República já preparam requintados pontapés na carcaça de quem, afinal, serviu e serve tão bem aos seus interesses e apetites. Foi assim, diga-se, que escaparam do naufrágio do regime militar e foram entronizados na democracia como corifeus das liberdades.     
Os fâmulos de Eduardo enfrentam, porém, uma dúvida terrível: não sabem se, de fato, o cadáver está bem morto. Sendo o defunto notório e possuidor de amplos e reconhecidos saberes sobre as mazelas da política nativa, os estragos de uma ressurreição ou de um último suspiro podem ser pavorosos. Imagino as angústias que nesta hora oprimem os corações de alguns acusadores de ocasião. Como pistoleiros de aluguel, só vão sossegar o espírito quando convencidos de que o cadáver está completamente morto. Não podem fazer outra coisa senão esperar sua defunção definitiva. Mas aqui só há uma certeza possível: não há como evitar o estrebucho político do moribundo. 
Então caberia pesar as conveniências do assassinato de um personagem tão emblemático, uma encarnação perfeita dos vícios e das virtudes do sistema dominante. Os vícios são muitos. Deixo à imaginação do leitor o trabalho de enunciar o elenco. Quanto às virtudes, dentre as poucas sobressai a capacidade de reproduzir as alianças de poder à custa da descaracterização humilhante e trágica dos que alegam se opor a tal estado de coisas. Aí estão, prostradas e subjugadas, estraçalhadas, as instituições incumbidas de promover a mediação democrática. 
A democracia dos patrícios, observada de uma perspectiva realista e sombria, revela a enorme capacidade de sobrevivência dos poderes dos donos. Governo após governo, mudam os métodos, mas não os rumos, sequer os pretextos. Há que se admirar o requinte dos poderosos nos cuidados de preservar pessoas notoriamente comprometidas com a truculência e as malfeitorias do passado. Aí estão os sobreviventes de outros naufrágios da República a perorar sobre as virtudes da dita-cuja.   
Elementar, meu caro Watson, entre mortos e afogados flutua impávida a estrutura do poder real, esse contubérnio entre o dinheiro e a política. Mandam e desmandam os mesmos grupos de sempre, reforçados agora pela presença dos yuppies cosmopolitas da finança globalizada. A grande inovação dos tempos, além da internet e do celular, é a porta giratória entre as mesas de operação das instituições financeiras e as burocracias econômicas executoras dos projetos e programas da privataria. Nesse bloco hegemônico não faltam os serviçais da mídia, infatigáveis em apresentar esses companheiros de jornada como portadores de um saber superior, o único capaz de assegurar, aos olhos dos mercados financeiros, a credibilidade da política econômica. 
Mais do que isso, as normas do mercado passaram a ditar as regras da vida política. No Brasil de hoje, essa lógica fatal vem contaminando as instâncias decisivas do poder estatal. O sistema partidário e o financiamento das campanhas eleitorais parecem engendrados com o propósito de transformar o Congresso num mercado de balcão, onde os gritos de “compro” e “vendo” tornam ridícula a hipocrisia dos discursos moralistas dos plenários. 
O arbítrio, o favorecimento, o segredo, a obscuridade e o nepotismo eram os demônios que os valores da República restaurada pretendiam exorcizar. Pois os curupiras da Pátria Amada estão aí, livres e folgazões, gargalhando sobre as nossas incríveis esperanças. 
Nesta coluna, reescrevo um artigo publicado por ocasião da renúncia do então senador Antonio Carlos Magalhães. Mudam as máscaras, mas os personagens são os mesmos. Ao contrário do que se divulga, os senhores tornaram-se mais ferozes. Mas aprenderam a usar métodos mais sutis e eficientes para torturar coletivamente os cidadãos com as técnicas da desinformação, do massacre ideológico e da “espetacularização” da política.